A axiologia dos super-heróis (e seu papel de espelhamento no inconsciente coletivo da sociedade)

Buscando como base a vida em sociedade de um cidadão comum saturado de obrigações burocráticas, processos mercantilistas e as relações sociais presentes em uma sociedade contemporânea capitalista, cria-se uma necessidade de superar e conquistar uma liberdade, mesmo que imaginária, com o objetivo de compensar a falta de liberdade real. Justamente dentro desse conceito de liberdade imaginária, o fenômeno cultural das histórias em quadrinhos, é tido como principal expoente dessa indústria, servindo como ponte entre a prisão real, e a liberdade imaginária.

A resposta do como e porque isso acontece vem da axiologia presentes nas HQs (trabalhado aqui especificamente com as dos super-heróis) O aspecto axiológico, isto é, fundado num propósito de idéia de valores, exerce influência sobre os leitores, pois se diz respeito a temas presentes e constantes na sociedade moderna, a moral e os bons costumes, a luta pelo poder e os combates muitas vezes expressam o desejo de liberdade, a luta contra a opressão, mas outras vezes se tem apenas a reprodução da competição típica da sociedade capitalista. Nildo Viana em seu artigo “Super Heróis e Axiologia” lembra que a própria existência de criminosos, de super-vilões, aponta para a existência de conflitos sociais, também constantes no “mundo real”.

As histórias dos super-heróis são histórias de indivíduos extraordinários e nunca de grupos sociais, o herói é um indivíduo que possui qualidades consideradas especiais, tais como habilidades físicas, mentais psicológicas ou morais e éticos, sendo a coragem o atributo mais característico. A qualificação de herói é aplicável a indivíduos concretos que se destacam em nossa sociedade, tendo assim um espelhamento de não apenas entre o personagem e seu alter-ego (Peter Parker e o Homem-Aranha, Bruce Wayne e o Batman), mas também entre o consumidor dessas histórias e sua vida particular.

Essa dupla face dos super-heróis revela que o objetivo consciente dos criadores das histórias é determinado pelos valores dominantes. E daí vem o espelhamento da axiologia do mundo fantasioso para o real. A possibilidade de uma continuidade entre a vida cotidiana de qualquer consumidor de HQs e a vida plena de realização, de poder e de notoriedade de um herói tido como mártir do universo faz nascer um ocultamento da personalidade que se expressa na prática de uma “profissão ortodoxa”. Mesmo não estando de acordo com a justiça oficial e criando sua ação os super-heróis trabalham como qualquer cidadão, pois representam de sua própria forma o que é certo, e sabem que funcionam como um espelho para a humanidade em questão.

Se os super-heróis se mantessem financeiramente com o auter-ego em ação (excluindo apenas o caso do Superman, pois nesse caso se tem Clark Kent sendo o auter-ego do herói.) se perderia também todo o valor defendido pela democracia estadunidense, tal como a representação do trabalho como algo “dignificante e enaltecedor”, realizado dentro da ordem social e das normas legais segundo o estado conservador que está no poder.

 

A divisão entre dois grandes nomes: DC e Marvel

A representação da indústria cultural no que se refere às histórias em quadrinhos traz dois grandes nomes no mercado estadunidense de editoras de novelas gráficas para entretenimento: DC (sigla de Detective Comics) e Marvel (apelidada de “House Of Ideas” – Casa Das Idéias) tendo as duas suas diferenças singulares ao modo de se fazer quadrinhos: As histórias da Marvel  se distingue das demais pelo universo em que se desenvolve ter características mais próximas da realidade, sendo mais humanizado e verossímil. Os argumentos exploram a caracterização dos personagens de forma mais psicológica. Partindo da HQ criada por Steve Dikto e Stan Lee nasce o Homem-Aranha:

Jovem com falta de auto-estima e muitos problemas mundanos, semelhantes ao de muitos adolescentes, tímido, mas extremamente inteligente. Peter é  desajeitado com as garotas e não possui muitos amigos, após ser picada por uma aranha radioativa (na versão gráfica intitulada “Ultimate”) provoca mutações no organismo e ganha forças sobre-humanas: velocidade, resistência, grande agilidade e reflexos aperfeiçoados.

Com a morte do tio, decide lutar contra o crime seguindo sempre um conselho dado pelo falecido tio: “Com grandes poderes há grandes responsabilidades”

Tudo isso traz um caratér axiológico muito pessoal de identificação entre a história de Peter Rarker com a de seus ínumeros leitores, fazendo do homem-aranha um dos super-heróis mais humanizados das histórias em quadrinhos, vale lembrar que o aranha é  um dos primeiros heróis a ganhar dinheiro com o uso de seus poderes: Peter Parker vende fotos do Homem-Aranha para o Clárim diário. Seus motivos, porém, são altruístas: ele ajuda a tia viúva e idosa a pagar as contas, principalmente com os remédios.

Este novo olhar acabou por incentivar uma revolução nas histórias em quadrinhos com o passar do tempo. Até mesmo a concorrente DC Comics adotou algumas inovações realizadas pela Marvel em suas histórias, buscando outras formas de caracterizar seus heróis paladinos, tal como maior exemplo o próprio super-homem;

Kal-El nasceu no fictício planeta Kripton. Foi mandado à Terra por Jor-El, seu pai, cientista, momentos antes do planeta explodir. O foguete aterrissou na Terra na cidade de Smalville (ou na tradução: Pequenópolis), onde o jovem Kal-El foi descoberto pelo casal de fazendeiros  Jonathan e Martha Kent e batizada com Clark Kent (Confirmando com o que já foi dito de Clark Kent ser o alter-ego em questão) Conforme foi crescendo, Clark descobriu que tinha habilidades diferentes dos humanos, como

Força sobre-humana, velocidade, resistência, invulnerabilidade, sopro congelante, super audição, poderes extra-sensoriais e visuais, longevidade, vôo, inteligência e regeneração, tudo isso com um porém: por forças maiores o Superman não pode mentir.

O fato em questão se torna um exemplo claro do espelhamento de valores sobre moral e ética, na qual fica claro o valor da axiologia dos super heróis paladinos da DC: O superman funciona como um símbolo do homem perfeito, um defensor dos ideais repúblicanos e democráticos de liberdade, igualdade e fraternidade, um exemplo a ser seguido, pois mesmo sendo o homem mais forte do universo, seu alter-ego trabalha como reportér do Planeta Diário para sustento próprio.

O que traz certas diferenças entre os estilos das duas editoras também apresenta semelhanças que não são por coincidência: As cores dos uniformes do Homem aranha e Superman (vermelho e azul) simbolizam a bandeira dos estados Unidos da América que por sua vez se remetem aos príncipios da revolução francesa: o azul é liberdade, o vermelho simboliza igualdade e o branco significa a fraternidade. (São esses os simbolismos usados pelos republicanos na criação das treze colonias estadounidenses)

 

O simbolismo e a indústria

Influindo em cultura, nas línguas e costumes, a junção “texto + imagem” se converteu em alimento para consumo de massa para todo o mundo, modelando todo o caratér da linguagem e se formando um dos principais objetos de análise e estudo no domínio da comunicações.

Através do conhecimento em quadrinhos se pode propor uma nova compreensão em tom global sobre indústria cultural, o simbolismo através do inconsciente coletivo axiológico e sua influência na dicotomia dos leitores, esta mesmo incluída no caratér do simbolismo dos super heróis, que se tornando através do produto consumidores dessa indústria, e por meio de consumidores críticos, que tenham conhecimento da Indústria Cultural que se pode ter a possibilidade de interferir para aperfeiçoá-la e melhorá-la. Não para piorá-la. As HQs tem essa difusão, percebe-se que se torna mais dificil compreender a sociedade contemporanêa globalizada sem compreender a cultura que ganha força com textos e imagens, concluindo assim que, sem passar por esse entendimento, é cometer um grande equívoco em termos de comunicação social.

 

Sobre Danilo Viegas
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One Response to A axiologia dos super-heróis (e seu papel de espelhamento no inconsciente coletivo da sociedade)

  1. Silva Cezar says:

    Uma das mais excelentes explanação sobre o tema!

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