Marco de concreto

Por Daniela Figueiredo

As palavras da arquiteta Patrícia Yegros resume a ótica de muitos belo-horizontinos ao se depararem com um dos edifícios mais importantes da capital: o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek.

O que era referência de modernidade na época de seu planejamento, hoje é considerado por muitos como a “favela vertical”. Talvez por não conhecerem sua história, ou não refletirem que o conjunto acompanhou o progresso da capital mineira, quando ele por si só já era um símbolo da ousadia arquitetônica.

À primeira vista, sua grandiosidade passa despercebida pelos passos apressados que trafegam na região. Mas, aqueles que param para observá-lo, conseguem criar, destruir ou modificar imaginários a partir da experiência com o local. A estudante de fonoaudiologia Ágatha Cristie Ribeiro, que sempre passa em frente ao conjunto, nunca havia percebido que o edifício ao qual se depara todos os dias é o famoso Conjunto JK. “Eu sempre achei que eram dois edifícios separados, sem nenhuma ligação, até o dia em que eu descobri que era o edifício JK. Primeiro, me decepcionei com a estrutura externa, mas depois conheci uma moradora e quando entrei no prédio, fiquei maravilhada com o tamanho e com a beleza do conjunto”, conta.

Criado para ser habitado por funcionários públicos do estado e receber eventuais turistas, o JK foi uma tentativa de construir uma nova realidade para o morador: serviços rodoviários, hotelaria, amplo espaço para convivência, restaurantes, museu de arte contemporânea, boate, teatro, cinema, “jardim encantado” e restaurante americano.

O projeto, assinado pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer, planejado em parceria com os setores público e privado, contava com uma proposta de um novo modo de vida urbano. A intenção era fazer do conjunto habitacional um marco, uma “cidade” dentro da cidade, que nos seus arredores e interiores estão inseridos todos os suprimentos necessários para propiciar aos cidadãos uma vida moderna.

Apesar da proposta inicial não ter se concretizado por completo, manteve-se a preocupação por espaços coletivos. Luiz Carlos Borges, residente do edifício há 16 anos, conta que em toda data comemorativa há uma festa de confraternização. Segundo ele, esses eventos contribuem para que os moradores se conheçam e tenham uma área de convivência que no dia-a-dia não é possível devido à rotina de uma cidade grande. “Mesmo com a grande quantidade de moradores (são quase cinco mil ao todo), eu quase não encontro com meus vizinhos nos corredores. Ao contrário do que parece, o prédio é muito silencioso e a solidão consegue bater à porta de muita gente aqui. Se não fosse por essas confraternizações, que a administração do prédio organiza, eu não conheceria tanta gente como conheço hoje. Por isso, as festas são tão importantes para os moradores”, relata.

Elmo Pechir, ex-morador do JK, conta que já na década de 1980, quando habitou o edifício, o controle de entrada e saída de pessoas era rígido. De acordo com Elmo, toda vez que algum amigo ou parente ia visitá-lo, ele tinha que descer para buscar o visitante, caso contrário, a entrada não era permitida. “Uma vez, eu fui assistir a um jogo de futebol na casa de um amigo, mas a televisão dele estava quebrada, então resolvi levar a minha. Ao chegar à portaria com a TV foi àquela confusão. O porteiro não queria me deixar sair do prédio com o aparelho mesmo eu dizendo que era morador e que a televisão era minha. Tive que desistir de levar a TV e acabei perdendo o jogo”, lembra.

A arquiteta Patrícia Yegros lamenta o atual estado do maior e mais rico objeto arquitetônico e histórico de Belo Horizonte. Ela diz que apesar da grande reforma (a maior da América Latina) que está em andamento há 15 anos, sua concepção, história e arquitetura são completamente ignoradas. Mas, ainda de acordo com a arquiteta, a ideia que deve ser ressaltada é que o edifício JK está vivo em sua intensidade cotidiana efervescente e jamais poderá ser escondido ou derrubado. “Se a cidade não assumi-lo, ele ainda estará lá, se impondo à opinião pública, sempre persuadida pela maioria. Deveríamos perceber logo o sentido que tal fizera no passado, como um monumento, que se não foi de vitória, foi de esperança, mas jamais como uma ruína”, conclui.

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