O registro dos vencidos

Por Danilo Viegas e Douglas Maciel

Com o livro “Réquiem para o Inhotim” Valdir de Castro Oliveira homenageia a memória e identidade coletiva da comunidade de Inhotim, perdida devido ao avanço do museu de arte contemporânea.

No dia 19 de abril o jornalista e escritor Valdir de Castro Oliveira esteve no Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais para o lançamento de seu mais recente livro: “Réquiem para o Inhotim”. O livro busca retratar poeticamente o sentimento de identidade de uma comunidade de aproximadamente 300 pessoas que viveram entre 1870 e 2002 na região, ano de inauguração do Museu Inhotim de Arte Contemporânea. Valdir conta que o interesse para a escrita do livro surgiu na necessidade de registrar os depoimentos de moradores mais antigos da região. “As pessoas vinham me procurar, porque achavam que eu, como jornalista agüentaria transpor em palavras aquela memória coletiva. Fui transformando em poesias, e publicando nos jornais. Isso fez com que crescesse em mim um conhecimento muito grande sobre a história e sentimento da comunidade, se criou um elo de identificação.”

O livro conta que Valdir considera todos os ex-moradores da comunidade co-autores do livro porque resgata uma identidade coletiva. Para ele a questão da memória é tema fundamental no livro. “Precisamos saber de onde viemos e o que falta pra frente, pra fazer história é preciso ter memória. A história deixa o vencido esquecido nos escombros, é sempre contada pelo vencedor”. O que não foi o caso dessa história. “Infelizmente para o museu e felizmente para a comunidade, ela me tinha como jornalista e militante” completa ele.

O autor se vale de grande acervo da região para construir suas poesias, acervo não só imaterial como sua memória e vivência junto ao lugarejo, mas também incontáveis fotografias e suas várias reportagens a respeito da comunidade que foram constantemente publicadas pelo Jornal Tribuna desde 2003, aliado aos depoimentos de seus muitos amigos, ex-moradores do Inhotim. Dessa forma, Valdir vai tecendo seus poemas cheios de imagens, cores, sabores e personagens. Recria situações, descreve até mesmo o clima da região, as curvas do Paraopeba, as pescarias, o mistrinho correndo pelos trilhos, as saborosas quitandas e as animadas festas na Igrejinha.

Réquiem para o Inhotim é uma homenagem a comunidade e ao mesmo tempo um protesto (ou um pró-texto?) ao seu desvanecimento onde não se exige do leitor nem muito conhecimento, nem muita sensibilidade, apenas o deixar-se levar, tomar o trem da memória nas curvas do Inhotim

Memória

No livro de Gabriel Garcia Márquez, a cidade de Macondo é fundada pela Família Buendía. O que começa como simples aldeia atravessa tempos, se forma, cria seus conflitos e no final é engolida por uma tempestade de areia. Segundo Valdir de Castro, Inhotim é uma espécie de Macondo da vida real, tendo o Museu de arte contemporânea como a tempestade de areia causadora do fim. Valdir parafraseia o poeta Carlos Drummond de Andrade dizendo que a identidade da comunidade de transformou na pedra no meio do caminho do museu.

Segundo o autor o livro não funciona como uma crítica ao museu. É simplesmente a comunidade contando sua história. “O fim da comunidade é irreversível” Diz o autor. Para ele a importância que atribuímos às coisas e as pessoas têm um grau de subjetividade muito importante, o que o criador do museu de Inhotim Bernado Paz fez foi destruir não apenas símbolos físicos da comunidade, mas também apagar a memória coletiva do local, é uma leitura a partir de uma situação posta pelo Museu, diz Valdir.

 Novo livro

Valdir já está preparando um novo livro a respeito da comunidade de Inhotim. “O próximo livro não terá uma abordagem poética e sim uma abordagem ensaística, no sentido de que eu trabalho os princípios da comunicação, do jornalismo e princípios teóricos de comunidade. O livro faz primeiramente uma discussão teórica sobre estas questões e em segundo lugar eu trabalho com um material de pesquisa que são as mídias locais”, falou. O autor pega dez anos de publicações em jornais locais da região com textos sobre a comunidade de Inhotim, todos de autoria de Valdir, e faz uma análise dessas matérias. O objetivo é mostrar a importância das mídias locais, que é um assunto pouco discutido no Brasil, relacionando jornalismo com memória. Outra questão discutida neste novo livro é a idéia de comunidade.

Entrevista

Douglas Maciel – Como está sendo a recepção do seu livro?

Valdir – Está sendo muito boa, principalmente pelos ex-moradores da comunidade do Inhotim que constituem o alvo principal do livro. O interessante é que, a medida que o livro vai sendo lido, novas estórias ou novas interpretações surgem a partir destas pessoas que se reconhecem no livro refletem de que maneira ajudaram a forjar os sentidos de sua experiência social na comunidade do Inhotim. Mas outras pessoas que, ainda que indiretamente, tenham vivido esta experiência, como é o caso da D. Elza e D. Alzira, ex-professoras do lugar nas décadas de 50 e 60, respectivamente, também trazem a luz reminiscências da história escolar da região, conforme os artigos que elas publicaram recentemente no Tribuna.

DM – E fora desse universo de ex-moradores, qual tem sido a repercussão do livro em Brumadinho?

Valdir – Também está muito boa, com muitos comentários feitos por diferentes pessoas. Destaco aqui três matérias jornalísticas feitas por três pessoas diferentes e publicadas nos jornais locais e que tiveram a sensibilidade de interpretar a obra. No jornal Tribuna, Ana Amélia dedicou uma pagina inteira ao livro destacando a importância da memória coletiva nos processos históricos. No jornal da Apa-Sul, Renato Quintino fez uma resenha curta, mas captando magistralmente a sua importância como um exemplo que deveria nortear a história de Brumadinho e de suas respectivas comunidades. Já no jornal De Fato, Reinaldo Fernandes fez uma extensa e profunda análise do livro destacando o significado e o estilo dos versos, além de ressaltar a sua dimensão política para a história do município. Fora destas matérias jornalísticas ressalto aqui o papel da Secretaria de Cultura que, através da Casa de Cultura, fez o lançamento do livro, graças a iniciativa e ao empenho do secretário Caio Xavier e sua equipe, Maria Lúcia Guedes e Merenice Mazzeti, que não mediram esforços para o sucesso do evento que ocorreu no dia 15 de março. Neste dia, Caio Xavier fez uma exemplar saudação ao livro e a mim ressaltando a sensibilidade poética nele contida e a própria história da comunidade do Inhotim. Vale ressaltar que todas estas pessoas assim só se manifestaram após cuidadosa leitura da obra.

DM – E fora de Brumadinho?

Valdir – Apesar de contar com uma divulgação bastante modesta, fui convidado para apresentar o livro na Bienal do Livro no Rio de Janeiro em setembro deste ano. Além disso foi feito o seu lançamento no dia 19 de abril no Sindicato dos Jornalistas e que também despertou a atenção de várias pessoas, entre intelectuais, jornalistas, artistas e escritores fora de Brumadinho. Muitas destas pessoas que conheciam o Museu de Arte Contemporânea ficaram espantadas com a história ali contada porque nos relatos que escutaram, assim como nos relatos midiáticos, sobre o Museu a comunidade praticamente inexiste. Mas depois que tiveram acesso ao livro, disseram que iriam voltar ao Museu, mas observá-lo para ver se encontram ainda os vestígios da comunidade que ali existiu por quase durante 140 anos. Muitas também quiseram saber mais informações sobre a igrejinha de Santo Antônio manifestando o seu espanto por saber que ela foi vendida pela igreja para o Museu. Quer dizer, o livro está mostrando uma versão sobre os acontecimentos no Inhotim feita pelo olhar dos antigos moradores e não pelo olhar institucional do Museu. É o que o teórico Walter Benjamin chama de história em contrapelo, ao se referir às histórias que ficam submersas no tempo e no espaço e que raramente são contadas.

DM – Mas isso significa uma crítica ao Museu?

Valdir – A história contada a partir dos ex-moradores de forma independente do Museu é, por si mesma, uma leitura crítica a partir de uma situação interposta pelo Museu que, de certa forma, definiu os destinos da comunidade e provocou a sua extinção no cenário local. Considero que isso foi uma tragédia ou um destino a que inúmeras comunidades estão sujeitas no rápido processo de transformação do espaço urbano e rural trazido pela contemporaneidade, criando novos formatos de sociabilidade. É o que antropologicamente Marc Augé chamou de passagem de um lugar comunitário para um não-lugar em que inexistem os aspectos comunais das relações sociais. Para a região e para a cultura nacional o Museu foi de um ganho inquestionável, mas para a comunidade, apesar dos bons preços pagos às propriedades do local, isso não supriu nem eliminou o sentimento de perda e os aspectos subjetivos da vivência comunitária.

DM – E o Museu, como reagiu ao livro?

Valdir – Oficialmente não sei. Pode ter sido desconfortável para ele porque o livro traz algumas críticas em relação a alguns aspectos da relação que manteve com a comunidade em que vários símbolos comunitários foram unilateralmente destruídos e as promessas de reconstrução nunca foram cumpridas. Muitos dos ex-moradores, principalmente os mais velhos, ficaram ressentidos com esta postura do Museu. Na verdade, a comunidade se tornou uma pedra no caminho do Museu, como diria Carlos Drummond, à medida em a sua necessidade física de expansão nos terrenos da comunidade se apresentou irreversível. Diante deste fato foi feita uma proposta ao de parceria ao Museu por parte de alguns ex-moradores para participar de um projeto sobre a memória da comunidade do Inhotim, que foi aceito por Bernardo Paz e pelo ex-administrador, Marcelo Teixeira. Apesar disso, estranhamente, com a nova administradora que entrou no lugar de Marcelo Teixeira, esta parceria foi recusada. Pareceu-nos que a memória nascida das entranhas da própria comunidade não interessava. Mas, mesmo diante desta recusa, o projeto foi tocado com outras fontes de financiamento, inclusive com o aporte financeiro de ex-moradores, e sem a participação do Museu. Este projeto está em fase final de edição para publicação. Trata-se da história do Inhotim narrada a partir dos depoimentos dos moradores que, embora tenham muito de poesia, não se trata agora de um livro poético e sim de uma obra mais votada para as questões da memória da comunidade. Mas não creio que as críticas contidas no livro abalem ou diminuem a grandeza do Museu para a região. Como disse, é a história contada de outro ângulo, aliás, um pouco no estilo irreverente e pluralista como sugere a própria arte contemporânea que tenta sensibilizar o público a partir de uma espécie de reciclagem do olhar.

O livro podr ser comprado na internet:

http://www.submarino.com.br/produto/1/23805866/requiem+para+o+inhotim

Sobre Danilo Viegas
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